quarta-feira, 21 de março de 2012

Texto interessantíssimo

O professor
E eis que, naquela manhã, Walter resolveu apresentar um fabuloso espetáculo aos seus alunos. Professor de História, chegou mais cedo a sua unidade, retirou uma caixa de madeira de considerável tamanho de seu carro – os vários furos nas laterais denunciavam a carga viva – e, com algum esforço levou a caixa adesivada de “CUIDADO! FRÁGIL” para dentro da escola.
Os alunos, naquela manhã, observavam atônitos o volume recoberto por um pano branco na frente da sala entre os comentários do futebol da noite anterior e os namoricos de corredor até que o professor, de súbito, descobriu a caixa e revelou aos alunos seu misterioso conteúdo: a própria Loba romana, ainda com Rômulo e Remo pendentes de suas tetas.
Deslumbrados, os alunos apontavam a cena bizarra; duas crianças humanas fedendo a almíscar fartando-se do leite de um animal selvagem, saciando-se do líquido lácteo que escorria aos borbotões pelos cantos de suas bocas, e, gorgolejando, deglutiam o rico nutriente. Ambos escandalizavam pela nudez e pelas unhas sujas e crescidas dos pés e das mãos. Os cabelos desgrenhados e esvoaçantes traziam folhas secas entre os fios, e o corpo nu estava enlameado pelo barro de uma distante floresta do Lácio. Os petizes, quando saciados, grunhiam satisfeitos imitando o repouso de sua ama silvestre. O professor recobriu a exposição para salvaguardar o trio que ressonava entre as palhas dispostas no assoalho da cela para passar à explanação. Explicou toda a história do abandono das crianças na floresta e os problemas políticos na sucessão de Alba Longa e como, por conseguinte, a capital do futuro Império herdaria o nome de um dos guris, que o docente, ao levantar o pano suavemente para não incomodar, apontou satisfeito com o dedo.
Na mesma tarde, o telefone da escola começou a tocar. O primeiro pai reclamava da nudez dos meninos, alegando atentado violento ao pudor e prometendo descobrir toda a rede de pedofilia e exploração de menores encabeçada pelo professor. Depois, outros ligaram. Um advogado progenitor, aos brados, reclamava-se representantes dos meninos e acusava-o de corrupção e exploração de menores, de aproveitar-se do trabalho infantil e de cárcere privado, alardeando a gorda indenização que receberia, ele e seus clientes ao final do processo. Um outro, evangélico homicida, acusava o funcionário de atentar contra a moral e os bons costumes, afirmava que receberia vultoso castigo por heresia por ensinar mitos pagãos a crianças inocentes.
Muitos foram direto à Ouvidoria Pública, e, nos dias seguintes, uma enxurrada de documentos protocolados inundaram a mesa do diretor exigindo uma ação disciplinar para com seu subordinado, fazendo com que toda a equipe administrativa se mobilizasse durante as semanas seguintes para responder a tantas reclamações e denúncias.
Porém, nada aplacava a fúria da comunidade. Os pais, empunhando forcados e foices, marchavam aos gritos pelo bairro e, por fim, cercaram o prédio. A manifestação chamou a atenção da imprensa, que, prontamente, compareceu para cumprir seu dever. Os apresentadores vociferavam enfáticos, e sua euforia contaminava a população.
Para evitar a hecatombe, o diretor foi obrigado a entregar Walter à fúria daquele braço secular da opinião pública. Vexado, porém polidamente, o homem falou com calma e humildade à turba ensandecida, procurando desculpar-se e remediar a situação, e colocando-se à disposição da municipalidade, da Associação de pais e Mestres, ao Conselho Tutelar, ao Conselho Regional de Enfermagem, à Ordem dos Advogados e à Liga das Senhoras Católicas para maiores esclarecimentos e, para dar veracidade ao depoimento, afirmou que estava revendo todo o seu planejamento e o projeto pedagógico. Enfatizou, inclusive, que já havia desistido de apresentar o King-Kong à sexta série na próxima aula.
João Tadeu Sena, 31/03/2011

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