quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Estrutura escolar adoece professores


Pesquisador afirma que estrutura das escolas adoece professores

Para historiador da USP, sociedade critica todos os aspectos do cotidiano escolar, mas se esforça para mantê-los da mesma forma. Ele propõe discutir o “rompimento” das estruturas

Priscilla Borges - iG Brasília 
“O ambiente escolar me dá fobia, taquicardia, ânsia de vômito. Até os enfeites das paredes me dão nervoso. E eu era a pessoa que mais gostava de enfeitar a escola. Cheguei a um ponto que não conseguia ajudar nem a minha filha ou ficar sozinha com ela. Eu não conseguia me sentir responsável por nenhuma criança. E eu sempre tive muita paciência, mas me esgotei.”
Alan Sampaio / iG Brasília
Estrutura escolar adoece professores e leva a abandono da profissão
O relato é da professora Luciana Damasceno Gonçalves, de 39 anos. Pedagoga, especialista em psicopedagogia há 15 anos, Luciana é um exemplo entre milhares de professores que, todos os dias e há anos, se afastam das salas de aula e desistem da profissão por terem adoecido em suas rotinas.
Para o pesquisador Danilo Ferreira de Camargo, o adoecimento desses profissionais mostra o quanto o cotidiano de professores e alunos nos colégios é “insuportável”. “Eles revelam, mesmo que de forma oblíqua e trágica, o contraste entre as abstrações de nossas utopias pedagógicas e a prática muitas vezes intolerável do cotidiano escolar”, afirma.
O tema foi estudado pelo historiador por quatro anos, durante mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Na dissertação O abolicionismo escolar: reflexões a partir do adoecimento e da deserção dos professores , Camargo analisou mais de 60 trabalhos acadêmicos que tratavam do adoecimento de professores.
Camargo percebeu que a “epidemia” de doenças ocupacionais dos docentes foi estudada sempre sob o ponto de vista médico. “Tentei mapear o problema do adoecimento e da deserção dos professores não pela via da vitimização, mas pela forma como esses problemas estão ligados à forma naturalizada e invariável da forma escolar na modernidade”, diz.
Luciana começou a adoecer em 2007 e está há dois anos afastada. Espera não ser colocada de volta em um colégio. “Tenho um laudo dizendo que eu não conseguiria mais trabalhar em escola. Eu não sei o que vão fazer comigo. Mas, como essa não é uma doença visível, sou discriminada”, conta. A professora critica a falta de apoio para os docentes nas escolas.
“Me sentia remando contra a maré. Eu gostava do que fazia, era boa profissional, mas não conseguia mudar o que estava errado. A escola ficou ultrapassada, não atrai os alunos. Eles só estão lá por obrigação e os pais delegam todas as responsabilidades de educar os filhos à escola. Tudo isso me angustiava muito”, diz.
Viver sem escola: é possível?
Orientado pelo professor Julio Roberto Groppa Aquino, com base nas análises de Michel Foucault sobre as instituições disciplinares e os jogos de poder e resistência, Camargo questiona a existência das escolas como instituição inabalável. A discussão proposta por ele trata de um novo olhar sobre a educação, um conceito chamado abolicionismo escolar.
“Criticamos quase tudo na escola (alunos, professores, conteúdos, gestores, políticos) e, ao mesmo tempo, desejamos mais escolas, mais professores, mais alunos, mais conteúdos e disciplinas. Nenhuma reforma modificou a rotina do cotidiano escolar: todos os dias, uma legião de crianças é confinada por algumas (ou muitas) horas em salas de aula sob a supervisão de um professor para que possam ocupar o tempo e aprender alguma coisa, pouco importa a variação moral dos conteúdos e das estratégias didático-metodológicas de ensino”, pondera.
Ele ressalta que essa “não é mais uma agenda política para trazer salvação definitiva” aos problemas escolares. É uma crítica às inúmeras tentativas de reformular a escola, mantendo-a da mesma forma. “A minha questão é outra: será possível não mais tentar resolver os problemas da escola, mas compreender a existência da escola como um grave problema político?”, provoca.
Na opinião do pesquisador, “as mazelas da escola são rentáveis e parecem se proliferar na mesma medida em que proliferam diagnósticos e prognósticos para uma possível cura”.
Problemas partilhados
Suzimeri Almeida da Silva, 44 anos, se tornou professora de Ciências e Biologia em 1990. Em 2011, no entanto, chegou ao seu limite. Hoje, conseguiu ser realocada em um laboratório de ciências. “Se eu for obrigada a voltar para uma sala de aula, não vou dar conta. Não tenho mais estrutura psiquiátrica para isso”, conta a carioca.
Leia série sobre formação de docentes: Professores não são preparados para ensinar
Ela concorda que a estrutura escolar adoece os profissionais. Além das doenças físicas – ela desenvolveu rinite alérgica por causa do giz e inúmeros calos nas cordas vocais –, Suzimeri diz que o ambiente provoca doenças psicológicas. Ela, que cuida de uma depressão, também reclama da falta de apoio das famílias e dos gestores aos professores.
“O professor é culpado de tudo, não é valorizado. Muitas crianças chegam cheias de problemas emocionais, sociais. Você vê tudo errado, quer ajudar, mas não consegue. Eu pensava: eu não sou psicóloga, não sou assistente social. O que eu estou fazendo aqui?”, lamenta.
Blogueiro: Fazia tempo que eu não encontrava uma matéria dessas.

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