segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Ele é um em casa e outro na escola

Oscilações de comportamento dentro e fora do ambiente familiar indicam que seu filho quer atenção. Mas por quê?

Ana Carolina Addario, especial para o iG São Paulo | 16/11/2010 17:57
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Na escola, a pequena Giovanna, de 1 ano e 5 meses, é uma criança doce. Passou pelo processo de adaptação inicial como todos os coleguinhas e nunca trouxe pra casa nenhum tipo de reclamação. É um bebê exemplar, faz todas as atividades previstas na hora certa, sem nenhum tipo de contestação. Mas em casa, se perder o pai ou a mãe de vista, ela chora, grita e faz a maior bagunça. “A única coisa que a deixa calma é quando eu e meu marido estamos por perto. Diante disso, temos um sério problema: não podemos ir sequer até a esquina”, conta a administradora de empresas Daniela Pavan D’Amico. Giovanna está longe de ser a única criança com comportamentos completamente distintos em casa e fora dela. Mas o que a faz se comportar de forma tão diferente?
Foto: Guilherme Lara Campos / Fotoarena
Daniela prepara a mochila de Giovanna: exemplar na escola, em casa ela é totalmente diferente e chora ao menor sinal de afastamento dos pais
Crianças são os seres vivos mais imprevisíveis que existem, principalmente quando falamos de um período da vida marcado pela formação da personalidade e do comportamento, processo intrinsecamente relacionado à maneira que a família se relaciona entre si e com o mundo. Todo comportamento desenvolvido pela criança neste período é fruto do que ela aprende em casa, no dia-a-dia com a família. Ou do que ela vivencia em seu primeiro círculo social, a escola.
Quando os padrões de comportamento de uma criança começam a oscilar dentro destas duas esferas, é sinal de que alguma lacuna não foi preenchida, e aí podem começar a surgir problemas. Maus comportamentos como birra, muito choro, questionamento excessivo com o intuito de enfrentamento e agressão, seja em casa ou na escola, são sinais claros de que seu filho quer chamar sua atenção. Só resta saber o porquê. “Querer chamar atenção não é a causa de algum problema, mas o sintoma de algo que a criança está sentindo e que ela não sabe ou consegue explicar”, afirma Denise Santolere Franque, psicopedagoga mestre em criatividade e desenvolvimento escolar.
Seja por comportar-se agressivamente em casa, seja pela falta de disciplina na escola, que gênero de problema esses sintomas indicam? A resposta pode estar mais perto do que você imagina.

Inimigo familiar
De acordo com Mariana Tichauer, psicóloga do grupo Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico (EDAC), “quando uma criança é pequena, ela não está adaptada à dinâmica familiar. É preciso ver como esse ambiente receberá esta criança, porque dali pra frente ela vai responder da maneira que o ambiente ensiná-la a responder”. As palavras-chave para o sucesso da relação são segurança e proximidade. Esses dois reforços são tudo o que as crianças precisam.
Se a dinâmica familiar é prejudicada pela ausência dos pais e, consequentemente, pela ausência de autoridade, a criança acaba criando seus próprios parâmetros – além de força para contestar as regras da família, traduzida em manha e berreiros. “Pais ausentes, que dão tudo o que o filho quer e não colocam limites na educação, acabam gerando crianças mais agressivas, já que nunca ouvir ‘não’ aumenta a incapacidade da criança de lidar com as frustrações. Com isso, sempre que a criança ouve um ‘não’ e se frustra, ela se torna ainda mais agressiva dentro da dinâmica familiar”, diz Denise.
Junte a ausência dos pais à agenda lotada de atividades da criança, todas longe da família, e você terá um cenário em que ela se sente criadora de suas próprias regras, o que reforça a convicção de que ela tem o direito de agir da maneira que quiser, enfrentando a autoridade dos pais sempre que for preciso.
Na casa onde vive a contadora Cláudia Azevedo Soares e sua filha Clara, de 3 anos, a dinâmica familiar é natural e tranquila: ainda que seja uma criança questionadora, Clara aprendeu a respeitar os limites impostos pela mãe. Na escola ela é ainda mais exemplar e recebe sempre muitos elogios. No entanto, nos finais de semana na casa do pai e da avó paterna, onde Clara tem tudo o que quer, ela pinta e borda sob os olhos dos mais velhos. “Em casa, ela sempre pergunta o porquê de ter que fazer determinada coisa, mas respeita e acaba fazendo. Já na casa do pai, ela não tem muita noção de regras. E, com isso, ela sente liberdade para fazer cenas de birra e de agredir a avó, até conseguir aquilo que quer”, conta Cláudia.

Dentro do grupo
A criança sem parâmetros de autoridade pode chegar à escola de duas maneiras: ela pode encontrar um professor convicto de sua posição de quem coloca as regras, tornando-se assim um aluno obediente. Ou pode encontrar um professor mais vulnerável à agressividade, cristalizando a figura da criança indisciplinada e arredia. As possibilidades são extremas.
Segundo Denise Santolere, a maioria dos pais resiste em perceber que a falta de disciplina de seu filho na sala de aula é reflexo de um modelo desregrado de interação gerado dentro de sua própria casa, onde a criança age de acordo com suas próprias vontades e sob suas próprias regras, terminando por prejudicar, ao ingressar na escola, não só seu próprio processo de aprendizagem em aula como o de toda a turma.
“Antes, a mãe gerenciava a educação do filho, hoje ela trabalha fora. Por isso ela demora mais para perceber que ele está se comportando de maneira atípica. Como a escola vai lidar com a falta de limites? A professora não está lá para disciplinar a criança, este é um papel da família. A escola só dá o suporte”, afirma.

A regra é clara
A reaproximação entre pais e filhos afastados pelas rotinas diárias é um dos principais fatores na luta pelo restabelecimento da posição de cada integrante da família dentro da dinâmica do lar. É necessário que a criança sinta que está sob a orientação do adulto para que ela baixe a guarda diante dos pais. Isso só acontece quando a criança confia em seus pais, e para confiar, ela precisa passar mais tempo perto deles.
A psicóloga Mariana Tichauer conta que, em casos extremos, a busca por ajuda especializada pode ajudar a reforçar os laços entre os pais e a criança, a fim de que a imagem que ela faz de si mesma como quem dita as regras abra espaço para a posição de autoridade exercida pelos pais. Nestes casos, a terapia com a criança nem sempre é a solução mais indicada: quem deve receber orientações sobre como se comportar diante da família são os próprios pais. “As crianças sentem quando os pais estão inseguros, e tudo o que elas precisam nesta fase da vida é segurança. Por isso, quando os casos são muito graves, é preciso procurar orientação sistemática para promover uma readaptação familiar segura e satisfatória”, revela.
Daniela tenta passar segurança e dar muita atenção para Giovanna, passando o máximo de tempo que pode interagindo com a filha, para que ela não precise chorar por atenção quando a mãe vai daqui até ali. Já Cláudia, para orientar sua filha Clara sobre como se comportar tanto na sua casa como na de seu pai, conversa sempre mostrando como é importante agir com respeito com os mais velhos, e quanto amor isso pode lhe render. Ainda que sejam métodos básicos para o estabelecimento do diálogo entre pais e filhos, as soluções para os problemas de casa estão quase sempre escondidas na relação familiar: basta saber se posicionar.

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